segunda-feira, 23 de março de 2009

As aventuras de Madame CoCo no Expresso do Oriente


Queridos leitores! Quantas saudades eu estava sentindo de vocês!

Bem, vocês sabem como eu sou uma cidadã do mundo e ficar muito tempo parada em uma só cidade por mais de um mês definitivamente me cansa muito. É por isso que estou há tanto tempo sem postar aqui, pois eu precisava dar um mergulho novamente no Rio Nilo. A última vez foi em 1953, mas tive que sair intempestivamente da água por causa de uns crocodilos irritantes que queriam a todo custo fazer de minhas sólidas carnes a sua refeição. Como eu sou desatenta! hihihi! Fora esse contratempo, lembro-me que aquele foi um verão delicioso! Eu estava viajando pelo Expresso do Oriente, aquele conhecidíssimo trem que a minha amiga Agatha Christie descreve tão bem em um de seus livros de mistério mais aclamados.

Aliás, devo fazer uma revelação a vocês, caros leitores, pois tenho um sério compromisso com a verdade. Agora que minha querida amiga já está no além, ela me autorizou a contar que a famosa história de seu romance é altamente verdadeira! Não há nada de fictício no assassinato desvendado por aquele charmoso inspetor belga, o Hercule Poirot. (Devo confessar que após ele solucionar o mistério, tivemos um breve affair, mas os detalhes picantes dessa história eu não posso contar, meus queridos leitores, pois, como sabem, eu sou uma mulher reservadíssima e acho indelicado revelar certas coisas aqui! hihihi).



Bem, para quem não conhece a história, vou contar algumas de minhas lembranças mais fortes. Em 1935, desiludida por conta do fracasso de uma das minhas coleções outono-inverno, decidi embarcar no Expresso do Oriente para esquecer as mágoas e dar uma sacudida na poeira. Sabem como é, viajar é sempre o melhor remédio e fazer o percurso de Paris até Budapeste a bordo daquele magnífico trem me parecia a idéia mais sensata a seguir. Mal sabia eu que eu seria praticamente testemunha de um dos assassinatos mais misteriosos e famosos da história e que depois seria retratado na literatura e até no cinema! Aliás, meus caros, minha grande amiga Agatha até me concedeu a imortalidade dando a uma de suas personagens do livro a minha identidade.


Ela ficou muito agradecida com o meu relato dos fatos, que resultou em seu extraordinário romance, e depois quis me homenagear através de uma das personagens, aliás, a única fictícia da história, depois vocês saberão o porquê. Pois bem, vocês já devem estar mortos de curiosidade sobre quem sou euzinha nesta história, não é mesmo?

Os fatos que vou relatar a seguir são muito dramáticos e até hoje me causam uma certa consternação, meus amigos. Tudo aconteceu naquele inverno pavoroso de 1930, quando uma linda garotinha, a menina Daisy Armstrong, foi seqüestrada enquanto dormia e, mesmo após seu pai ter pago o resgate, a pobrezinha apareceu morta.

Cinco anos mais tarde, o nosso viril inspetor Poirot apanhou o trem em Istambul, pois seus planos eram passar umas férias tranqüilas a bordo do Expresso do Oriente, a caminho de Calais, na França, com conexão para Londres. Mas seus planos foram por água abaixo quando Poirot foi convidado a solucionar um caso que acontecera bem no meu vagão, na noite posterior a sua chegada.

Um dos passageiros, o senhor Ratchett, foi encontrado morto pelo mordomo, na manhã seguinte. Eu cruzei pelo corredor com o senhor Ratchett, um cavalheiro de aparência muito distinta, assim que subi no trem. Desastrada que eu sou, deixei cair sem querer meu lencinho de seda aos pés do senhor Ratchett, que tão educadamente o pegou e me entregou. Após este fato pitoresco, tomamos uma chícara de chá preto com biscoitos no vagão-restaurante. Foi uma tarde incrível! O senhor Ratchett tinha um humor adorável e me contou algumas histórias um tanto quanto curiosas sobre sua vida.

Imaginem só a minha consternação um dia depois, quando soube que ele fora assassinado e ainda por cima no meu vagão! Foi uma desolação só, tive de tomar alguns comprimidos para me acalmar e, em seguida, aconteceu o meu primeiro contato com o inspetor Hercule Poirot, que me interrogou. Lembro-me como se fosse hoje de seu charmoso bigode e de seus olhos que tentavam me perscrutar, tentando ao máximo colher informações que eu pudesse estar escondendo em meu relato, mas que, de alguma forma, meus olhos deixassem escapar. Que magnetismo aquele homem tinha, meu Deus!
Eu contei a monsieur Poirot que tinha visto um estranho em minha cabine e depois encontrei o botão de um uniforme e uma adaga manchada de sangue. Ele me revelou que o senhor Ratchett, aquele distinto homem com o qual passei uma tarde tão agradável, era, na verdade, Cassetti, um mafioso que teria pago a um criminoso para seqüestrar e matar a menina Armstrong e, em seguida, fugido com o dinheiro do resgate.

Eu fiquei tão desorientada com tamanha revelação que quase tive uma síncope, se não tivesse sido gentilmente amparada pelos braços fortes do senhor Poirot, que depois disso me conduziu delicadamente até a minha cabine para que eu pudesse descansar.
Caros leitores, a partir daqui o que se segue é um spoiler da história, portanto, quem não a conhece e não deseja saber o final, é melhor que pare de ler este relato agora, pois o livro de Agatha Christie é surpreendente e vale a pena ser lido antes deste meu post.


As investigações de Poirot prosseguiram e ele descobriu que os doze passageiros que havia interrogado tinham algum tipo de ligação com a família Armstrong, seja por parentesco ou amizade, e que todos haviam faltado com a verdade em seus depoimentos. Desta forma, ele concluiu que não havia um único assassino, mas sim doze! Sim, minha gente, cada um destes doze passageiros fazia parte de uma vingança orquestrada pela família da pobre garotinha Daisy Armstrong para matar seu assassino.

Como encontrar doze assassinos é mais difícil do que um só, este crime parecia perfeito aos olhos dos Armstrong. Cada um dos doze foi responsável por dar uma punhalada naquele crápula que assassinou tão friamente a nossa menininha. Bem, vocês querem saber quem eu sou nesta história, certo? Minha querida amiga Agatha reservou pra mim um papel importante na trama, o de Greta Ohlson, interpretada no cinema por ninguém menos do que a diva Ingrid Bergman, que até ganhou um oscar de melhor atriz coadjuvante por sua belíssima atuação no filme de 1974, mas que se consagrou mesmo por seu papel como Ilsa Lund, a foragida de guerra, em Casablanca.



Na história, eu fui uma das que apunhalaram o senhor Ratchett mas devo salientar que esta é a única personagem fictícia do livro. Como Agatha queria me homenagear, eu pedi a ela que me retratasse como uma dama muito da fina e, depois que eu soube que aquele senhor com o qual eu havia flertado não se passava de um criminoso da pior espécie, fiquei louca de vontade de eu mesma ter dado umas punhaladas no infeliz. Assim, a única solução encontrada por minha amiga escritora de incrível imaginação foi me inserir na trama como um dos doze assassinos. Desta forma, eu pude dar a minha punhalada de desforra no senhor Ratchett, mesmo que apenas através da ficção.

Portanto, na realidade o senhor Ratchet foi assassinado por onze passageiros do trem, e não por doze, como é relatado no livro. Eu posso até ter me enganado quando conheci o senhor Ratchett e nutri por ele uma ilusão amorosa mas, meus caros leitores, ainda bem que, depois disso, acertei direitinho com o senhor Hercule Poirot. Continuamos a viagem pelas inebriantes paisagens do Oriente e vivemos um romance lindíssimo, que nem o cinema seria capaz de retratar.

Em tempo: eu sou incapaz de matar uma asquerosa barata - quem dirá um ser humano? - e condeno todo tipo de violência contra qualquer ser vivo. Mas adorei ser retratada no livro como uma assassina impiedosa e elegante! hihihi!

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